FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA: O PAPEL DOSCONSÓRCIOS INTERMUNICIPAIS NO ATINGIMENTO DAS METASPREVISTAS NO MARCO LEGAL DO SANEAMENTO

Escrito por: Luciano Ceotto¹

  1. INTRODUÇÃO
    A organização estatal é construída sob influência de múltiplos fatores,
    entre eles, a composição étnica do povo, o tamanho do território, os elementos
    socioculturais e, principalmente, as instituições políticas governativas. Esta é a
    matéria prima sobre a qual se erige o modelo político característico de cada
    nação. Não se ignora também que o grau de maturidade democrática é um dos
    fatores preponderantes para o desenho institucional e para o exercício da
    soberania.
    O Estado Federal tem seus contornos modernos derivados da revolução
    norte-americana, momento em que os pais fundadores dos Estados Unidos
    construíram fórmula de cooperação política para que as ex-colônias britânicas
    conjugassem forças para viabilizar a existência autônoma do território recém
    emancipado na América do Norte.
    Do ponto de partida na independência americana, o modelo federativo
    passou a ser replicado, adaptado e modificado por outras nações, mantendo,
    entretanto, características fundamentais de participação efetiva na condução
    das políticas públicas do Estado, e, da autonomia para existir e autogovernarse em relação aos outros membros componentes da União.
    Neste trabalho, faz-se um rápido sobrevoo sobre a teoria do federalismo
    e sua evolução de um modelo descentralizado clássico e sua mutação para o
    formato de sua aplicação atual no Brasil, onde a União exerce papel
    predominante sobre os demais membros.
    Em sequência, examina-se movimentos de descentralização do arranjo
    cooperativo federalista através da transferência de competências e
    responsabilidades. A elevação do município à condição de membro da

1 Advogado, MBA em Direito da Economia e da Empresa FGV/RJ, MBA em Direito Tributário FGV/RJ, membrofundador da ABRADEP, mestrando em Direito, www.ceotto.adv.br; luciano@ceotto.adv.br.
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federação é pontuada como o ápice do poder local para prestar serviços
básicos como educação, saúde e saneamento.
Então, põe-se em foco as ambiciosas metas traçadas pelo novo marco
do saneamento básico (Lei n.º 14.026/2020, que alterou a Lei n.º 11.445/2007)
e a dificuldade estrutural para que os municípios exerçam as competências que
lhes foram atribuídas pelo texto constitucional.
A exitosa contribuição que os consórcios públicos têm apresentado em
termos de cooperação vertical e horizontal interfederativa sugere que o modelo
pode ser replicado nos assuntos afetos ao saneamento básico, pois tem
capacidade para alcançar escala econômica e técnica que, isoladamente, o
poder local não detém.

  1. FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA
    A caracterização de um estado como federativo admite as mais variadas
    flexões na extensão e na distribuição de poderes. Seu conceito doutrinário é
    também objeto de dissenções na ciência política e nos manuais jurídicos de
    Teoria Geral do Estado.
    Entretanto, há ponto comum quanto a sua característica mais básica que
    é a divisão garantida de poder entre governos centrais e regionais (LIJPHART,
    2021). A definição mais conhecida foi a cunhada por W. Riker de que:
    “Federalismo é uma organização política na qual as atividades governamentais
    estão divididas entre os governos regionais e um governo central de tal
    maneira que cada um desses governos tenha algumas atividades sobre as
    quais tomará decisões finais” (RIKER, 1975, p. 101 apud LIJPHART, 2021). A
    definição Estado Federal, na concepção de Jellinek, é a de: “Estado soberano,
    formado por uma pluralidade de Estados-membros, ligados numa unidade
    estatal” (G. JELLINEK, apud BONAVIDES, 2015, p. 193).
    Mesmo caracterizando o estado federal como uma união de entidades
    dotadas de autonomia, essa coletividade projeta efeitos de estado simples no
    que toca sua representação soberana externa, pois suas relações diplomáticas
    são monopólio do poder central. Vale dizer que, para o direito Internacional
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    Público, a soberania tanto do Estado Federal quanto do Estado Unitário, via de
    regra, são indistinguíveis.
    Os contornos do estado federal são dados pelo Direito Constitucional
    que define seu modelo de organização interna, as atribuições dos entes
    subnacionais, os graus de autonomia administrativa e de participação na
    atividade legislativa da união.
    Naturalmente, os modelos federativos vêm sofrendo mutações desde o
    congresso da Filadélfia de 1787, ano em que os representantes de treze
    estados norte-americanos se reuniram e criaram o modelo federativo clássico.
    Ao longo do tempo os legisladores e atores políticos influenciados pela
    proeminência da realidade sociocultural vigente em cada amostra histórica
    reconfiguraram as relações interfederativas com variações entre a
    centralização e a descentralização de poderes, como também nas relações
    verticais e horizontais do estado federal.
    Num primeiro momento, identifica-se predominância da autonomia dos
    estados-membros em face da união. Nesse período, Toqueville profetizava o
    risco de dispersão decorrente dos fortes poderes regionais e grande autonomia
    dos membros componentes do coletivo estatal (BONAVIDES, 2015, p. 203).
    Seguiu-se uma segunda fase, em que exsurgia uma busca pelo perfeito
    equilíbrio entre a autonomia das unidades constitutivas e sua participação na
    união, com submissão à Constituição Federal que mantém atadas as relações
    dos membros entre si, e, entre cada um e a entidade nacional.
    Contemporaneamente, verifica-se o oposto da primeira fase, podendo
    identificar-se tendência de desequilíbrio em prejuízo dos estados-membros. A
    dinâmica das relações transnacionais e o alargamento das vias de comércio
    solaparam as especificidades políticas para estabelecer o predomínio da união
    sobre os entes subnacionais. Paulo Bonavides (2015) explica o fenômeno:
    “…o imenso progresso tecnológico de caráter unificador, a propagação
    das ideologias que apaga e crestam as variações do particularismo
    político, erigindo camadas maciças e uniformes de opinião, o
    consequente incremento da legislação social apaziguadora do conflito
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    entre o trabalho e o capital e o excesso de dirigismo econômico se
    apresentam como fatores principais da transformação já operada. Tal
    transformação já sacrificando a competência efetiva dos Estadosmembros, colocou os Estados, em face da deficiência de seus recursos,
    debaixo da servidão financeira do poder federal (de sorte que já não
    podem estes sobreviver fora das subvenções do erário da União) e
    desenvolveu em suma nos cidadãos mesmos certo sentimento de
    menoscabo ou de ruinosa indiferença às prerrogativas autonomistas
    das unidades componentes, o que, em algumas Federações como o
    Brasil e os Estados Unidos, veio avolumar as correntes de opinião mais
    favoráveis aos interesses da União, identificados portanto como
    interesse nacional contraposto ao dos Estados, o qual se principiou a
    condenar por representativo de formas de egoísmo e particularismo.”
    Se por um lado a centralização do poder serve à redução de
    desigualdades regionais, distribuição de riquezas e a ascensão nos índices de
    desenvolvimento das unidades mais pobres ao patamar daquelas mais
    desenvolvidas, lado outro, mostra-se incapaz de resolver questões pontuais ou
    mesmo de distribuir igualitariamente os direitos fundamentais e os de bemestar social inseridos nas constituições modernas. Os arranjos econômicos
    locais não têm se mostrado aptos a atingir máxima eficiência sem tratamento
    particularizado e próximo, denotando falha na implementação de políticas
    públicas por indução vertical do poder central em direção dos órgãos e entes
    subnacionais.
    Nesse sentido a distribuição de competências permite aos governos
    locais terem suas próprias agendas econômica e social. Arretche (2004) ilustra
    o ponto utilizando como exemplo o objetivo nacional de elevar os padrões de
    qualidade do ensino fundamental em vista dos baixos índices de desempenho
    dos estudantes brasileiros. A consecução de tal desiderato pressupõe o
    envolvimento direto das administrações estaduais e municipais, que são os
    gestores das redes de ensino. Assim, conclui-se que a forma como estão
    estruturadas as relações federativas nas políticas específicas para a educação
    afeta as estratégias possíveis para coordenação vertical das políticas
    nacionais.
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    Com efeito, a autonomia dos entes subnacionais e a intensidade de
    centralização de poder só pode ser repactuada tendo-se em vista o tamanho
    da fatia do bolo tributário atribuído a cada ente da federação. Impossível
    caracterizar uma unidade político-administrativa como membro de Estado
    Federal, sem que haja garantia constitucional de receitas próprias suficientes
    para o cumprimento de suas competências.
    O caso brasileiro evidencia forte concentração tributária para a União,
    com parcela pouco significativa para os Estados-membros, e, apenas fração
    residual para os Municípios. De tal sorte, se a política pública local depende de
    transferências voluntárias da União e não está assegurada por fluxo perene de
    recursos fiscais, tal característica aproxima-se mais do conceito de
    desconcentração administrativa do que de cooperação federativa.
    Afigura-se-nos que as Assembleias Constituintes de 1946 e de 1988
    foram momentos históricos de descentralização federativa, onde buscou-se
    implementar as políticas púbicas por meio do fortalecimento dos Estados e
    Municípios.
    Feitas as considerações gerais sobre Teoria da Federação, sua
    evolução e breves destaques acerca de suas principais características, passase a dissertar sobre o poder local na federação brasileira.
  2. O MUNICÍPIO COMO ENTE FEDERATIVO
    A concepção tradicional do Estado Federal, de forma muito sintética,
    pressupõe a existência de elementos mínimos tais como a capacidade de
    autogoverno, a eleição de representantes legislativos (locais e nacionais), a
    instituição e arrecadação de tributos, e, de um Poder Judiciário independente e
    apto a fazer valer as normas constitucionais. Nesse contexto, respeitáveis
    posicionamentos como dos administrativistas José Nilo de Castro não
    reconhecem o município como integrante do estado federal, já que lhe faltariam
    elementos mínimos de autonomia e participação.
    O modelo federal brasileiro tem origem na constituição republicana de
    1891, deitando raízes no estado unitário, de regime monárquico e com poder
    muito centralizado como era no séc. XIX. Então, diferentemente da experiência
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    norte-americana em que o estado federal foi constituído pela reunião de treze
    ex-colônias inglesas autônomas, o modelo brasileiro surge da repartição do
    território e da transformação de províncias em estados. A partir da vigência da
    primeira constituição republicana do Brasil, os Estados e Municípios passaram
    a integrar a estrutura federal, mas com limitada autonomia e participação na
    condução dos negócios públicos.
    Igualmente peculiar foi a elevação do município à condição de ente
    federativo, porquanto embora decorrente de opção política descentralizadora
    com origem na Constituição de 1946, foi categorizado como membro
    participante da federação por ficção constitucional prevista nos artigos 1º e 18
    da carta de 1988. Sob o ponto de vista teórico Melo Filho (2013) adjetiva o
    complexo modelo brasileiro sob a concepção de que há três esferas
    governamentais superpostas sobre o mesmo território.
    Assim, não obstante o artificialismo e a forma particular do federalismo
    brasileiro (ARRETCHE, 2010), aos municípios foram atribuídas competências
    comuns aos demais integrantes da federação, notadamente com relação às
    políticas públicas descritas no art. 23 e incisos da Constituição de 1988.
    Notadamente, os municípios situam-se em posição de desvantagem
    político-administrativa frente aos demais integrantes do estado federal. A
    arrecadação de tributos é extremamente desigual no plano horizontal, isto é,
    entre os governos subnacionais (ARRETCHE, 2004). Embora a concentração
    de poderes e riquezas no ente nacional seja fenômeno relativamente comum, o
    movimento de descentralização das políticas públicas expõe a fraqueza
    institucional do órgão de poder local impondo enorme pressão sobre seus
    atores políticos. Sobre a tendência de transferência de responsabilidades para
    o âmbito local, interessante o trecho de João Mendes Rocha Neto, a saber:
    “A municipalização se constitui em um movimento que reconhece o
    município como principal responsável pela implementação de algumas
    políticas públicas. Nesse sentido, o entendimento do processo de
    municipalização seria a transferência para as cidades das
    responsabilidades e, em tese, dos recursos necessários para exercerem
    plenamente tais funções.”
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    Então, resta aos municípios encontrar mecanismos de cooperação
    federativa para, frente ao imenso peso da implementação das políticas publicas
    que lhes são delegadas, cumprir com as competências a eles
    constitucionalmente atribuídas. O consorciamento intermunicipal, como método
    de realização da cooperação federativa, apenas começou a ganhar um
    arcabouço legal com a emenda constitucional n.º 19, de 1998, a qual, no
    entanto, também demandava lei regulamentadora.
    Ainda que o modelo cooperativo do consorciamento já existisse até
    antes da atual carta magna, apresentava-se como ferramenta de atuação
    multilateral precária, posto que se constituía por convênio, não possuía
    personalidade jurídica própria e havia a possibilidade de denúncia unilateral por
    parte dos seus membros sem implicações diretas com relação às obrigações e
    direitos do consórcio (LINHARES e CUNHA, 2010).
    Passados mais de sete anos da constitucionalização do arranjo
    cooperativo, foi aprovada a Lei n.º 11.107/2005 conhecida como Lei dos
    Consórcios Públicos, cuja utilização, sobretudo na área de saneamento e meio
    ambiente, vem experimentando pronunciado crescimento desde então.
  3. O CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL COMO INSTRUMENTO DE
    COOPERAÇÃO FEDERATIVA NA ÁREA DO SANEAMENTO
    Como já dito em linhas transatas, a Constituição de 1988 caracterizou-se
    como um movimento descentralizador do pacto federativo brasileiro,
    transferindo aos municípios novas competências para a formulação e
    implementação de políticas públicas.
    A partir da nova carta constitucional o saneamento básico passou a ser
    competência comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art.
    23, inc. IX, CRFB). Muito embora a competência legislativa para instituir as
    diretrizes para a política de desenvolvimento urbano, inclusive habitação,
    saneamento básico e transportes urbanos tenha permanecido sob competência
    da União (art. 21, inc. XX, CRFB), inegável o incremento da participação do
    poder local em relação à dinâmica anteriormente vigente.
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    Com o novo marco legal do saneamento, cujas metas de universalização
    inclui a garantia do fornecimento de água tratada para 99% da população e
    90% de esgotamento sanitário até 2033, o Estado brasileiro assumiu
    ambiciosas pretensões de resgatar o enorme déficit na prestação dos serviços
    básicos. A nova estratégia de universalização aposta no modelo cooperativo e
    de compartilhamento de atribuições em contraposição ao modelo concentrador
    do antigo PLANASA, que mesmo apostando na sinergia econômica das
    companhias estaduais de saneamento e contando com recursos para
    financiamento específico não conseguiu alcançar a maciça ampliação dos
    serviços de água e esgoto.
    Então, aos municípios foram impostas responsabilidades na área do
    saneamento básico que antes eram, no máximo, objeto de descentralização
    vertical. Isso criou inusitada situação porque, em regra, a maior parte dos
    municípios brasileiros sofre com alto grau de dependência de repasses da
    União (ROCHA NETO, 2022), e não possuem a mínima capacidade para
    figurar como titular da prestação dos serviços de saneamento básico. Assim,
    sujeitá-los ao mesmo plano de obrigações onde figuram os Estados e a União,
    mercê das inovações trazidas pela Lei n.º 14.026/2020, e mais recentemente,
    pela MP n.º 1.157/2023, pode significar mais uma falha histórica no objetivo de
    universalização dos serviços.
    João Mendes da Rocha Neto aponta que: “Adicionalmente, apresenta-se
    um complexo cenário institucional com atribuições partilhadas não só no âmbito
    vertical, em que diversos órgãos federais atuam nas mesmas funções
    programáticas, criando um emaranhado de difícil compreensão para os
    municípios, a exemplo do saneamento básico…”
    Nesse contexto, necessária a criação de mecanismos de articulação
    federativa capazes de induzir tanto a cooperação entre os entes
    corresponsáveis pela execução da política pública de saneamento, quanto para
    induzir os entes federados a agirem em favor dos interesses comuns.
    Entretanto, a mera predisposição cooperativa não é suficiente para a produção
    de resultados satisfatórios, sendo necessário instrumentalizar a ação
    coordenada com a distribuição de tarefas, apontamento de fontes de custeio e
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    fixação de marcos jurídicos que deem previsibilidade e segurança jurídica aos
    interessados.
    Desde a primeira década do séc. XXI o consórcio público calçado na Lei
    n.º 11.107/2005, vem se mostrando como ferramenta eficiente de articulação
    federativa intermunicipal. Os êxitos alcançados na área da saúde encorajam a
    utilização do modelo como solução para a falta de escala econômica da maior
    parte dos municípios brasileiros para fazer frente às metas de universalização
    no tratamento de água e nos serviços de coleta, afastamento e descarte de
    esgoto.
    A tendência de arranjo federativo através de consórcios foi pontuada por
    Linhares, Messenberg e Ferreira (2017), vejamos:
    “A cooperação federativa horizontal, da qual o consórcio intermunicipal
    é apenas uma das modalidades, decorre efetivamente da Constituição
    de 1988, uma vez que esta contemplou um modelo federativo
    descentralizado e cooperativo como forma organizacional do Estado
    brasileiro.
    Tal característica expressa-se por extensas e importantes áreas de
    atuação pública com competências concorrentes e comuns. Cabe
    observar que esse não foi um produto do acaso. Sua escolha decorreu
    da consideração dos constituintes em relação aos efeitos pretendidos
    pela forma de Estado adotada.
    Sabidamente, esse arranjo não é neutro em relação às consequências
    transformadoras que ele é capaz de induzir no âmbito das relações
    sociais e da atuação da Administração Pública. Uma federação
    cooperativa descentralizada pode fomentar a inovação na
    Administração Pública, o protagonismo da sociedade civil, bem como a
    promoção de maior equidade no acesso aos serviços públicos entre
    cidadãos localizados em diferentes jurisdições.”
    Segundo estudo técnico da Confederação Nacional dos Municípios
    (2009), não mais de 16,59% do bolo tributário nacional fica com as
    administrações locais. Também, a expressiva fragmentação territorial havida
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    entre os anos de 1988 a 2022, redundaram em quadro de indigência
    orçamentária dos municípios.
    Nesse contexto, o consórcio se apresenta como ferramenta eficaz para a
    falta de escala na execução de políticas públicas e no provimento dos serviços
    de competência local. A redução dos custos médios operacionais revela-se
    como estímulo positivo para a cooperação federativa horizontal, explicando o
    exponencial crescimento desse modelo de arranjo institucional na última
    década.
    A despeito do expressivo crescimento do número de consórcios
    públicos, este não tem seguido padrão linear em todas as unidades da
    federação. Variáveis socioculturais, dimensão territorial e quantitativo
    populacional entre os diferentes Estados-membros são possíveis explicações
    para a desigual distribuição geográfica dos consórcios públicos. Percebe-se,
    assim, que em estados como Minas Gerais, Mato Grosso e Paraná, uma
    proporção muito expressiva de municípios participa de um ou mais consórcios.
    Já em outros estados, como Amazonas, Tocantins, Piauí, Roraima e Amapá,
    tal frequência torna-se acontecimento raro (Linhares, Messenberg e Ferreira,
    2017).
    Não obstante, nas regiões em que tem sido experimentado, o laboratório
    institucional do consórcio tem alcançado positivos resultados na área de saúde,
    apresentando-se como eficiente ferramenta através da qual as relações de
    poder se processam de modo mais horizontal. Isso o credencia como
    instrumento apto a produzir resultados igualmente positivos com relação às
    metas de saneamento fixadas pela Lei n.º 14.026/2020.
    Campo igualmente promissor para o modelo consorciado é o da
    regulação e de fiscalização. Notadamente, o policiamento da operação e
    auditagem no cumprimento de obrigações contraídas pelos executores dos
    serviços, obras e metas do saneamento, demandam atividade técnica e
    especializada com pesada estrutura burocrática com elevados custos de
    manutenção. Então, especialmente para os pequenos municípios a ferramenta
    do consórcio se mostra animadora, não só pelo compartilhamento de
    despesas, mas cormo alternativa à adesão as agências estaduais, além de
    prevenir conflitos de interesse e ingerências eleitoreiras circunstanciais.
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  4. CONCLUSÕES
    O modelo de organização federativa é adotado apenas por uma minoria
    de países. Não obstante, em se considerando as nações com sólidas
    instituições democráticas, relevante parcela, senão a maioria vivem sob
    estruturas políticas federativas.
    O modelo tem servido ao fortalecimento das nações e de sua
    democracia. Seja para unir forças, como no caso dos Estados Unidos e da
    União Europeia, cujas características são mais próximas de confederação, ou,
    seja para descentralizar o poder, como ocorreu nos casos de Brasil (1892),
    Índia (1950), Espanha (1976) e Bélgica (1993), o federalismo é adjetivo
    indispensável para nações de grande população, ou de população multiétnica,
    ou que busquem a redução de desigualdades regionais.
    Na experiência brasileira, a partir da proclamação da república, a
    desconcentração do poder central foi processo paulatino e continuo,
    ressalvadas interrupções em períodos ditatoriais. Nessa toada os municípios
    ganharam competências administrativas e relevância para a prestação e
    execução de políticas públicas, sobretudo, a partir da Constituição de 1988
    quando o ente municipal passou a ostentar a condição de membro da
    federação em plano de igualdade formal com a União, os Estados e o Distrito
    Federal.
    A reforma trazida pela Emenda Constitucional n.º 19, de 1998, e,
    posteriormente com a edição da Lei n.º 11.107/2005, reforçou e estruturou o
    modelo de cooperação via consórcio, tornando-se ferramenta jurídica capaz de
    apresentar resultados positivos em políticas interfederativas como a da Saúde.
    O novo marco legal do saneamento estabelecido pela Lei n.º
    14.026/2020, fixou metas de universalização da abrangência e prestação dos
    serviços de água e esgoto que devem ser atingidas até o ano de 2033.
    Decorrência da competência para o trato de assuntos de interesse local, o
    município é o ente federativo que suporta a maior carga de responsabilidade
    pelo sucesso dos objetivos traçados para a política de expansão dos serviços.
    Tomando-se como padrão os positivos resultados alcançados pelos
    consórcios intermunicipais de saúde, é de se esperar que a replicação do
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    modelo de cooperação horizontal já experimentada seja a forma de melhor
    desempenhar as competências locais para a área do saneamento básico.
    Assim, tem-se alternativa segura, sob o ponto de vista jurídico, e viável
    economicamente, capaz de produzir os resultados almejados pela estratégia
    nacional para o setor.
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¹ Advogado, MBA em Direito da Economia e da Empresa FGV/RJ, MBA em Direito Tributário FGV/RJ, membrofundador da ABRADEP, mestrando em Direito, www.ceotto.adv.br; luciano@ceotto.adv.br